Em Off com Marcela Mende

Comecei ballet aos 3 anos, como muitas meninas nessa idade. Durante toda a minha infância e adolescência, a dança fez parte da minha constituição como ser humano, menina e mulher. Os diversos atravessamentos, aprendizados, questionamentos, maravilhamentos e encantamentos que essa arte me proporcionou marcaram a minha psique, o meu corpo e a minha forma de me expressar no mundo. Apesar de, até hoje, dançar, não danço mais profissionalmente, e sim, por amor e por me sentir tão genuinamente eu enquanto executo os movimentos. Segui o meu caminho profissional com a psicologia por diversos motivos que fazem extremo sentido para mim e, através das caminhadas dentro dessa ciência, encontrei uma união entre as minhas duas áreas de formação, afinal, ambas falam sobre ritmo, movimento, superação, história, expressão, desafios e tantos outros temas da existência humana. Sendo assim, a psicologia e a dança se endereçam em uma relação complementar, e, até para “quem não dança”, é possível fazer associações, metáforas e analogias sobre as nuances do movimento. E isso aparece de forma significativa nos meus projetos, pesquisas, estudos e na minha clínica.

Como comecei a dançar na infância e segui até a adolescência, numa fase tão complexa do desenvolvimento, muitas vezes era nesse espaço em que eu conseguia me organizar emocionalmente. Um turbilhão podia estar passando dentro de mim, mas quando eu começava a me alongar para depois dançar, entrava em um estado meditativo. Hoje, como uma mulher adulta, vejo que a dança ainda ocupa esse lugar de apoio, de organização interna, de criatividade e de potencialidade. Além disso, os encontros com as pessoas que dançam junto, seja numa aula ou em um palco, ajudam a sintonizar o momento presente. Isso é transformador, ainda mais em um mundo tão rápido, de trocas efêmeras e digitalizado em que nós vivemos. É muito significativo.

Como bailarina e psicóloga, eu diria que a preservação emocional na dança é tão essencial quanto o cuidado com o corpo. A arte da dança nos exige entrega, disciplina e exposição — o corpo fala o que às vezes as palavras não alcançam. Mas, para que essa expressão seja genuína e saudável, é preciso um solo interno firme.

Preservar-se emocionalmente na dança significa escutar o corpo com gentileza, acolher as emoções que surgem nos processos criativos, nos ensaios, nas comparações, nas críticas. Significa lembrar que o valor de um artista não está apenas em sua performance técnica, mas em sua inteireza como ser humano.

Na abordagem da psicologia que sigo, a psicologia analítica Junguiana, falamos do caminho de individuação — um processo de tornar-se quem se é, com autenticidade. Na dança, esse caminho se manifesta quando o bailarino ou bailarina dança com a alma, sem perder a conexão com sua verdade interior.

Preservar-se emocionalmente é um ato de coragem e amor próprio. É o que sustenta a arte viva e pulsante, e não apenas performada.